DANIEL MAZZONI
Este ano entrará para a história em razão de uma pandemia que está afetando a vida do planeta. Governos adotaram no país medidas restritivas de direitos visando à diminuição da propagação do coronavírus, cuja única ação eficiente parece ser o isolamento social.
Muitas decisões estão impactando profundamente a vida das pessoas, entre elas a restrição da atividade econômica, a proibição de acesso a lugares públicos e até mesmo a proibição generalizada do tráfego de pessoas (o chamado lockdown).
No Brasil, tem sido comum a aplicação de severas medidas de restrição de direitos individuais por decretos do Poder Executivo e até mesmo por decisões judiciais. Nem mesmo o lockdown, medida extrema que é, tem ficado a salvo do âmbito decisório de gestores públicos e magistrados.
Mas o que há de equivocado nestas medidas? Não teriam elas o único objetivo de salvaguardar a saúde da população? Sem entrar no mérito de seu acerto ou necessidade, uma coisa apresenta-se evidente. A Constituição Federal parece ter sido posta em quarentena, ao menos em relação a forma com que tais medidas têm sido adotadas.
É verdade que a nossa Constituição estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196). Todavia, não se pode olvidar que ela também assegura como direito e garantia fundamental de todo cidadão (fundamental: que serve de fundamento, alicerce, caráter essencial e determinante) que ele não será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 2º).
E por que em virtude de lei? Porque num Estado democrático de Direito a lei é o ato normativo que expressa e veicula de maneira legítima a vontade popular, eis que elaborada, discutida e votada pelos parlamentares democraticamente eleitos para defesa dos plurais interesses da sociedade. A lei, portanto, é que detém legitimidade para impor condutas.
Partindo desse ponto de vista elementar em ciência política, resta evidente que decretos e decisões judiciais não deveriam criar novas obrigações ou restringir direitos e garantias fundamentais quando a lei não o fez. Os referidos atos não possuem como pressuposto a vontade popular e tão pouco possuem autorização constitucional para inovar no ordenamento jurídico.
Ainda temos um Poder Legislativo funcionando e uma Constituição em vigor. Em momentos de crise, devem ser convocados a atuar ainda mais ativamente.
O autor é especialista em Direito Constitucional, procurador do Estado e membro da APES