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À infância violentada e subjugada, um pedido de desculpas

Desculpe-nos, pequenina. Perdoe-nos. Perdemo-nos por entre as paredes suntuosas de nossos palácios da justiça e nas letras frias de nossas leis. Talvez tenhamos esquecido nossos valores no meio da prática jurídica sempre pomposa, mas oposta à simplicidade da vida e especialmente da meninice. Esquecemo-nos que as infindáveis folhas dos inúmeros processos escondem almas corroídas por uma dor que negamos ou fingimos compartilhar.

Desculpe-nos por nossa realidade paralela e por viver um tanto automatizados, abduzidos por tanta tecnologia em nossa volta. Somos amantes e reféns da modernidade que nos envolve num oceano de gadgets, aplicativos e redes sociais que ao invés de nos simplificar a vida às vezes nos transporta para um universo que existe apenas nestes devaneios com ares de novos tempos, novas relações e novos planos.

Perdoe-nos, pois às vezes não enxergamos o outro, nos colocamos apenas em sua frente e jamais sob seus olhos, quem dirá sob sua pele. Raciocinamos quase mecanicamente sob a tela que constantemente se apresenta, no conforto sombreado de uma consciência artificialmente construída ou mesmo isolada daquele mundo que supomos existir mas que jamais ousamos pisar.

Releve-nos pela pressa tão presente em nossos dias, pelo pensamento inoperante de quem se sente esgotado com tantos afazeres, ao mesmo tempo em que os desejos se mostram cada vez maiores e mais velozes.

Escuse-nos por desconstituir à força sua tenra infância, não por uma, mas por várias vezes. Não apenas por não conseguirmos impedir a primeira agressão à sua sagrada inocência, mas por permitir que o descuido generalizado com o outro chegasse à plena atuação estatal reservada ao reequilíbrio, ao acerto e ao acolhimento.

Perdoe-nos pela imposição da continuidade da sua dor, pelo olhar desumanizado e pela coação da palavra travestida de pretenso amor.

Justo esse amor, tão perecível a olhos vistos, mas ao mesmo tempo capaz de lhe guardar e proteger. Um amor maior, que não julga, não tem cor, ideologia ou predileção. É a todos acessível e capaz de reunir em seu redor infindáveis corações, ora acalentados com o reinício de sua história.

Leonardo Pastore

Procurador do Estado do Espírito Santo. Ex-Presidente da APES. Professor na Escola Superior da PGE-ES. Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória.