A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO COMO MECANISMO DE CONTROLE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA E COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL À PRONTA E ESCORREITA APLICAÇÃO DO DIREITO

A PGE/ES é órgão de representação judicial e de assessoramento do Estado do Espírito Santo, assim como de seus órgãos desconcentrados1 e daqueles instituídos como órgãos descentralizados, desde que ostentem personalidade jurídica de Direito Público2 e que não possuam Procuradoria própria3. Em tal conjuntura, cumpre aos Procuradores do Estado ajustar as opções político-administrativas externadas pelos gestores públicos às exigências do Direito Brasileiro.

A relevância dessa função é incontestável, inclusive como meio de proteger o Estado e a própria sociedade dos desmandos que podem surgir como decorrência de Administrações descompromissadas com o interesse público4; assim como dos desacertos preordenados por acontecimentos corriqueiros, em que o Direito acaba maculado por opções político-administrativas firmadas com a melhor das intenções. E se estende, a bem da verdade, não apenas ao âmbito consultivo5, para também abarcar uma atuação responsável nos processos judiciais.

Uma boa atividade consultiva tem a potencialidade de prevenir ações judiciais desnecessárias e ruinosas, como são, exemplificativamente, aquelas em que as teses sustentadas pelo Ente Estatal contrapõem-se aos posicionamentos consolidados pela Jurisprudência dos Tribunais Brasileiros. Nada obstante, como essa atividade nem sempre é exercida na casuística6, também ganha relevo, nesse contexto, uma atuação curativa dos Procuradores de Estado, a ser desenvolvida no corpo de demandas já ajuizadas, consistente, basicamente, na elaboração de argumentação jurídica capaz de convencer os órgãos de cúpula da PGE/ES de que a pretensão, tal como externada em Juízo, encontra-se fundada em posicionamento jurisprudencial consolidado, para, adiante, solicitar a autorização para proceder à desistência de ações ou de medidas judiciais, a dispensa da interposição de recursos judiciais ou a desistência de recursos porventura interpostos7.

Poder-se-ia argumentar, em contrapartida, que cumpre aos Procuradores, enquanto profissionais de atuação técnica vinculada, prosseguir, em Juízo, “sustentando o insustentável”, ou “contestando incontestável”, pois somente assim atuariam na defesa do interesse público, nesse ponto coligado às aspirações circunstanciais da Fazenda Pública (v.g. do recebimento de um tributo, ou da negativa da concessão de aposentadoria a servidor público, etc.). Entretanto, semelhante visão de mundo não se sustenta hodiernamente, dada a compreensão, que sobressai das mais comezinhas lições de Direito Administrativo, segundo a qual o interesse que orienta tais posições transitórias do órgão estatal (que se apresenta, na classificação consagrada pelo jurista italiano Renato Alesi, como “interesse público secundário”) não pode ser invocado em detrimento do direito fundamental do cidadão a não ser importunado pelo Estado em suas disponibilidades jurídicas fora dos limites admitidos pelo ordenamento jurídico-positivo, que desvela, na face oposta, o que se convencionou chamar “interesse público primário”8.

Tal não bastasse, essa atuação curativa dos Procuradores de Estado, na medida em que desonera a máquina judiciária, contribui para a manutenção de um adequado acesso à justiça9. Isso, porque, é fato público e notório que o Estado10 se faz presente em parcela bastante significativa das contendas que diariamente afluem ao Poder Judiciário11, acentuando o problema da morosidade da Justiça. Destarte, a compreensão segundo a qual compete aos Procuradores “sustentar o insustentável”, ou “contestar incontestável”, pois não lhe caberia dispor acerca dos interesses deduzidos em Juízo pelo Estado, além de incompatibilizar-se com a preservação do interesse público primário, também se revela inconciliável com a cláusula de acesso à justiça12, princípio constitucional que, mais do que autoriza, impõe a eles (Procuradores) a compatibilização de sua atividade profissional aos posicionamentos firmados em sede pretoriana acerca das questões que lhes são submetidas cotidianamente.

Daí a importância da atuação dos Procuradores de Estado para a escorreita aplicação do Direito, que se acentua quando conjugada à compreensão, igualmente incontestável, de que eles atuam, dentro da Administração Pública, como substancial instrumento de controle da atividade exercida pelos gestores públicos13-14. Em vista dela, o que se espera de Governos sérios e compromissados com a preservação das instituições democráticas e com a implementação de mecanismos capazes de proteger a sociedade Capixaba dos destemperos característicos de momentos de crise institucional, como o que vivemos num passado recente, é a preservação das prerrogativas dos Procuradores do Estado do Espírito Santo, o que pressupõe, sem qualquer margem a dúvidas, a fixação de subsídios condizentes com a dignidade e a natureza da sua função, e que sejam capazes de retirá-los da incômoda posição de situar-se, mesmo servindo a um Estado de reconhecida pujança econômica, entre as quatro Procuradorias Estaduais de pior remuneração no País.

Cláudio Penedo Madureira
Procurador do Estado

Fontes:
1 Que são aqueles que não detêm personalidade jurídica própria, como, por exemplo, as Secretarias de Estado.
2 Como as autarquias e fundações públicas.
3 LC 88/96, art. 2º c/c art. 3º, I.
4 A cuja influência não estamos imunes, como demonstram episódios bastante recentes de nossa história.
5 Que se qualifica pela construção de respostas técnicas a questões apresentadas pelos gestores públicos, encartadas em pareceres, por meio dos quais os Procuradores orientam a Administração Pública e conformam a sua atuação.
6 Algo que preferimos atribuir à incapacidade dos gestores de identificar, no problema, questão jurídica a ser respondida pelo corpo técnico da PGE/ES, pois um ato deliberado de excluir da apreciação dos Procuradores manifestação sobre matéria que a lei lhe comina é no mínimo reprovável, embora tambémpossa atrair, conforme o liame subjetivo apurado, eventuais repercussões de índole administrativa (Lei 8429/92, art. 11, I) e criminal (CPB, art. 319).
7 LC 88/96, art. 6º, XIV.
8 Cfr.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 33.
9 CRFB, art. 5º, XXXV.
10 Aqui referido em sentido amplo, como designativo dos Entes estatais das três esferas da Federação.
11 Cfr.: WATANABE, Kazuo. O acesso à justiça e a sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel e WATANABE, Kazuo [Coord.]. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 130-131. Cfr., também: BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A Justiça do Trabalho e a Reforma do Judiciário. In: CHAVES, Luciano Athayde [Org.]. Direito processual do trabalho: reforma a efetividade. São Paulo: LTr, 2007. p. 102.
12 Cfr.: COLODETTI, Bruno & MADUREIRA, Claudio Penedo. Advocacia-Geral da União – AGU. LC 73/1996 e Lei nº 10.480/2002. Salvador: JusPODIVM, 2009. p. 29.
13 CRFB, art. 74, I e parágrafo 2º.
14 Com efeito, ao passo que os gestores têm por compromisso primário a execução de políticas de Governo (como, aliás, não poderia deixar de ser), aos Procuradores, que são advogados do Estado (e, portanto, da sociedade) e não do Governo de ocasião (ou do grupo político que o sustenta), cumpre a defesa dos interesses superiores de Estado.