Suspeição e Impedimento do Procurador Do Estado

Roger Faiçal Ronconi – Procurador do Estado do Espírito Santo

Sumário:
I- INTRODUÇÃO
II – AS HIPÓTESES LEGAIS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO PREVISTAS NO CPC
III – A SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO DO PROCURADOR DO ESTADO COMO FATOR DE PROBIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
III.1 – HIPÓTESES DE SUSPEIÇÃO DOS PROCURADORES DE ESTADO
III.1.1. – A suspeição do Procurador do Estado
III.1.2. – A suspeição e impedimento do Procurador do Estado por motivo de foro íntimo
III.3 – HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO DOS PROCURADORES DE ESTADO
IV – O ASPECTO PROCEDIMENTAL DA SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO DO PROCURADOR DO ESTADO
V-CONCLUSÃO

I- INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, no seu Capítulo IV, Título IV, dispõe que o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública constituem “funções essenciais à justiça” (arts. 127 a 135), conferindo ao Poder Judiciário a tarefa de aplicação do direito a uma situação determinada.
Os Estatutos Processuais vêm a disciplinar não apenas o aspecto procedimental dos feitos, mas também a instituição de pressupostos para que estes surjam e se desenvolvam de maneira válida e regular. Institui, assim, os pressupostos processuais.
O pressuposto processual que nos cuidaremos neste singelo trabalho, refere-se ao aspecto intrínseco e subjetivo, relativo ao Magistrado. Trata-se dos institutos da suspeição1 e do impedimento, disciplinados no Código de Processo Civil apenas em relação ao julgador, mas estendidos ao Ministério Público, ao Serventuário de Justiça, ao perito e ao intérprete (art. 138 do CPC).
Diante da inexistência, nos Estatutos Processuais, de disciplina que diga respeito à suspeição e impedimento do Advogado Público, mais especificamente, do Procurador do Estado, teceremos breves comentários acerca desses institutos, inserindo-os na atividade da advocacia pública como integrante do pilar da moralidade, impessoalidade, eficiência e da ética no trato da coisa pública.

II – AS HIPÓTESES LEGAIS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO PREVISTAS NO CPC
A Norma Constitucional não abarca as hipóteses de impedimento e suspeição do Magistrado, mas apenas disciplinam algumas regras de competência inerentes às esferas de julgamento, deixando a cargo do Código de Ritos a disciplina legal desse pressuposto processual.
A ausência de suspeição e impedimento do juiz vem a traduzir o pressuposto da imparcialidade, ou seja, deve o mesmo estar habilitado “a receber e apreciar com isenção de espírito os argumentos e provas trazidos por cada uma das partes para, com a mesma isenção, vir a decidir”2.

Imbuído desse objetivo, o Código de Processo Civil fez inserir hipóteses de suspeição e impedimento do Magistrado, a primeira resultante de fatores subjetivos; a segunda, de fatores objetivos. Vejamos:

“Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I – de que for parte
II – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III – que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V – quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte 0na causa. Parágrafo único. No caso do nº IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I – amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes deste, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III – herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Pois bem. A única hipótese em que a lei prevê ausência de isenção do Magistrado tendo em vista relações entre este e o advogado é no caso do inciso IV do art. 134, não havendo previsão legal de suspeição do juiz tendo em vista relações, amistosas ou não, para com o advogado.

Em razão da busca incessante pelo valor justiça, repetimos, a lei fez a previsão de afastamento do juiz impedido ou suspeito, estendendo essas hipóteses às pessoas mencionadas no art. 138 do CPC.

Quanto ao advogado, não há qualquer previsão legal de suspeição ou impedimento em relação à pessoa deste, a não ser quando houver incidência da hipótese do inciso IV do art. 134 do CPC, mas o impedimento que se verifica é do juiz, e não do advogado.

Como, então, aplicar as regras de suspeição e impedimento em relação aos causídicos? Cremos que essa questão, ao menos em relação ao advogado privado, somente pode ser resolvida pelo Código de Ética e Disciplina, mas não pelas normas processuais, diante da total ausência de previsibilidade. Isto significa dizer que o advogado, em seu múnus privado, pode patrocinar interesse de quem quer que seja, parente ou não, amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes, não havendo qualquer regra proibitiva para tanto, a não ser, em casos especiais, a sujeição ao Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

Já no que diz respeito ao advogado integrante da advocacia pública, entendemos, mutatis mutandis, que as regras se assemelham àquelas previstas aos Magistrados, embora a elas não se igualem, devendo a questão ser resolvida sob o enfoque Constitucional e dos princípios que regem a Administração Pública.

III – A SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO DO PROCURADOR DO ESTADO COMO FATOR DE PROBIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Já mencionamos que o advogado, em seu mister privado, pode patrocinar interesse a favor ou contra quem quer que seja, obedecidos os ditames do Código de Ética e Disciplina. Já com o integrante da Advocacia Pública, a questão, entendemos, se revela diversa, devendo, a despeito de ausência expressa de norma nesse sentido, ser conjugada com os princípios que regem os atos da Administração Pública.

Diante de seu compromisso inafastável de defender o interesse público, somado às penalidades impostas pela lei pelo descumprimento desse juramento, o Procurador do Estado, embora submetido ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, sujeita-se a algumas restrições em sua atividade pública, restrições essas que visam a transparência e a probidade no serviço público, tarefa, diga-se de passagem, afeta a todos os agentes públicos, sob pena de sujeitarem-se à prática de atos de improbidade administrativa.

Improbidade se traduz numa qualidade do homem que não procede conforme o direito, a moral ou os bons costumes, ou de forma desonesta, agindo indignamente com deficiência de caráter. Aquele que pratica ato de improbidade é denominado de ímprobo.

Para os romanos, a improbidade impunha a ausência de existimatio, atribui aos homens o bom conceito. E sem a existimatio, os homens se convertem em homines intestabiles, tornando-se inábeis, portanto, sem capacidade ou idoneidade para a prática de certos atos. “Qut sierit testatier, libripensve fuerit, ni testimonium feriatur, improbus intestabilisque esto”.3

Nas relações privadas existe ampla liberdade entre os sujeitos da relação jurídica, seja patrimonial ou extrapatrimonial, acerca de seus interesses, podendo deles dispor da maneira que melhor lhes aprouver, renunciando a pretensões a fim de obtenção do consenso para a realização de atos jurídicos. Assim, a carga de dispositividade dos seus direitos opera de forma quase que absoluta, ao talante dos interessados.

O mesmo não acontece quando se tem como um dos sujeitos da relação jurídica o Poder Público, seja da administração pública direta, quanto indireta, autárquica ou fundacional. Nesses casos, o trato com a coisa pública supera, transcende os interesses particulares, de modo que a dispositividade fica, quando não anulada, em muito reduzida.

Isso faz com que o administrador público tenha extremo zelo no trato com a coisa pública, de forma que, ao contrário das relações privadas, não poderá agir ao seu talante, como se particular fosse. Ao revés, está em tudo sujeito aos ditames da lei, de forma que somente poderá agir quando a lei expressamente o autorizar, sendo que a desobediência a este enunciado implicará em prática de ato ilegal ou imoral, conforme as circunstâncias.

Quando atua em benefício do Estado, deve o Procurador despir-se de qualquer ânimo em relação a terceiros que com a entidade mantêm relacionamentos. Isso não significa dizer que não pode, eventualmente, aderir ao interesse desse particular, desde que esse interesse seja legítimo, guardadas as cautelas processuais e administrativas inerentes a cada caso.

De forma a evitar violações ao interesse público, alguns diplomas estaduais, regulamentando a atividade dos Procuradores, prevêem situações em que o causídico público se revela suspeito ou impedido de atuar em determinados processos, em função do zelo que deve nutrir pelo cumprimento das finalidades da instituição.

Tais proibições, cremos, visam justamente que a atuação do Procurador do Estado seja alinhada com as finalidades do interesse público previsto na Constituição Federal, cujo desvio de conduta poderá importar em improbidade administrativa do agente.

Sem dúvida, não é a simples atuação do Procurador em situações em que o mesmo se revela suspeito ou impedido que ensejaria a prática de atos de improbidade administrativa. Para tanto, é imprescindível a ocorrência de resultado lesivo ao interesse público, visto que, v.g., se atua contra um parente ou amigo íntimo, mas defende fervorosamente esse interesse público, nada há que se questionar.

Deparando-se, em processo aos seus cuidados, seja administrativo, na condição de parecerista, seja judicial, em atividade contenciosa ou voluntária, em que a parte contrária ou seu patrono possui relações com a pessoa do Procurador do Estado, e diante da ausência de previsão legal a respeito, qual deve ser a atitude do causídico público?

Salientamos que a questão não se resolve, a priori, em nível processual ou estatutário, mas sim, como já se frisou, em nível constitucional, revelando-se a situação como fator de probidade no serviço público. Adaptando-se a este tema, preciosa é a lição de Humberto Theodoro Júnior, que afirma que não basta que o Juiz, na sua consciência, sinta-se capaz de exercitar o seu ofício com a habitual imparcialidade, fazendo-se necessário que não suscite em ninguém a dúvida de que motivos pessoais possam influir sobre seu ânimo4. Importa dizer que a ausência de suspeição e impedimento deve se dar de forma tanto subjetiva quanto objetiva. Nessa mesma linha, a atuação do Procurador de Estado deve se revelar, não apenas no aspecto intrínseco, mas também sob o aspecto extrínseco, isento de mácula em obediência aos ditames legais, seja da norma positivada, seja de sua principiologia.

De fato, trazendo à lume apenas o Código de Processo Civil ou o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, com seu respectivo Código de Ética e Disciplina, não encontraremos proibição alguma de atuação do Procurador do Estado em casos análogos, exceto no caso do inciso IV do art. 134, mas a proibição que aí se coloca é do Magistrado, como pressuposto processual de isenção, e não do advogado público. Há também positivações de hipóteses de suspeição e impedimento de atuação de Procuradores de Estado dispersas nas leis reguladoras das respectivas Entidades Federativas.

A situação, então, repita-se, se resolve em nível constitucional. Primeiramente, a Constituição afirma que a administração pública (da qual os Procuradores de Estado são integrantes) deve obedecer, dentre outros, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput), trazendo, ainda, em seu parágrafo 4º, a previsão de atos de improbidade, dispositivo que foi regulamentado pela Lei nº 8.429/92.

Os conceitos desses princípios encontram-se em sede doutrinária. Em relação ao princípio da moralidade, nos ensina HELY LOPES MEIRELLES , citando Maurice Hauriou, Henri Welter e Lacharrière5, que não é “uma moral comum, mas sim, uma moral administrativa”.

Certamente a moralidade administrativa coincide com os ideais de justiça que, na lição de NORBERTO BOBBIO, é “a correspondência da norma com os valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico”.6

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, afirmando que a atual Constituição erigiu a moralidade administrativa em fundamento autônomo para a ação popular, e após mencionar inúmeros exemplos de situações enquadráveis no que denomina de imoralidade, preleciona que

“a moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a moralidade comum; ela é composta por regras da boa Administração, ou seja: pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa”.7

MANOEL MESSIAS PEIXINHO, dissertando acerca da legalidade ética e infirmando que esta é a conformação harmoniosa dos princípios da legalidade e da moralidade, preleciona que

“insuficientes são aqueles atos administrativos que, mesmo ostentando um status de aparência de legalidade, discrepem dos valores éticos previstos e respeitados em determinada comunidade, significando a independência do postulado ético sobre a legalidade – um ato administrativo previsto no ordenamento jurídico, se no mundo real causou algo considerado imoral, será considerado inválido”.8

Em relação ao princípio da legalidade, irrepreensível é a lição de HELY LOPES MEIRELLES, quando afirma que

“A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve fazer assim’ ”9.

Alexandre de Moraes10 define o princípio da eficiência como sendo

aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.

Por fim, e de forma resumida por escapar ao estreito âmbito deste trabalho, o princípio da impessoalidade deve ser concebido em uma dupla perspectiva. Em um primeiro sentido, estatui que o autor dos atos estatais é o órgão ou a entidade, e não a pessoa do agente (acepção ativa). Sob outra ótica, torna cogente que a Administração dispense igualdade de tratamento a todos aqueles que se encontrem em posição similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público (acepção passiva). Com isto, preserva-se o princípio da isonomia entre os administrados e o princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo vedada qualquer prática que busque unicamente a implementação de um interesse particular.11

Nessa esteira, aduz-se que as hipóteses de impedimento e suspeição do Procurador do Estado, analogicamente com as hipóteses previstas para os Magistrados, Ministério Público e demais auxiliares da justiça, visam uma harmonização com os ditames constitucionais, fazendo com que as funções essenciais ao andamento da Justiça sejam elevadas a verdadeira garantia do Estado de Direito Democrático.

Sendo assim, a atuação do Procurador do Estado, em casos análogos aos previstos nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil, observadas, obviamente, as devidas proporções, aferíveis caso a caso, podem configurar desvio funcional, a ensejar penalidades previstas em lei, de acordo com a gradação legal, conforme abordaremos, com as devidas adaptações, no tópico a seguir. Não é por demais lembrar que essas hipóteses, dirigidas aos Juízes e aplicáveis, mutatis mutandis, aos Procuradores de Estado, devem ser interpretadas restritivamente, haja vista que, em relação aos julgadores, os Tribunais vêm reiteradamente decidido que, por serem restrições ao poder jurisdicional, devem seguir as normas de direito estrito. Como em relação aos Procuradores de Estado não existe norma unificada em âmbito federal, imperioso se torna buscar guarida na principiologia constitucional, bem como naqueles ordenamentos estaduais acerca dessas normas restritivas, cuja interpretação também deverá levar em conta a relevância do causídico público na defesa dos interesses do Estado.

III.1 – HIPÓTESES DE SUSPEIÇÃO DOS PROCURADORES DE ESTADO

Em razão da ausência de uniformização em nível federal das hipóteses de suspeição e impedimento dos Procuradores do Estado, sendo de longa data almejada uma lei orgânica que venha a abranger tal categoria, e estando a questão dispersas nas leis estaduais que regulamentam a atividade do Procurador do Estado, passemos a uma breve análise das situações de suspeição e impedimento do causídico público, em analogia, de lege ferenda, com as hipóteses previstas na legislação processual pátria.

III.1.1. – A suspeição do Procurador do Estado

As hipóteses de suspeição refletem situações em que o Procurador do Estado ou está psicologicamente vinculado às partes ou tem interesse na solução da causa de seu cônjuge ou de parentes deste em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau.

Já descrevemos no item II as situações processuais que ensejam as hipóteses de suspeição dos Juízes. A primeira delas diz respeito ao aspecto subjetivo relacionado à amizade íntima ou inimizade capital com qualquer das partes, excluindo-se os seus patronos.

Analogicamente com tal hipótese, vale lembrar, de antemão, que não seria qualquer patrocínio de interesse a favor da Fazenda Pública, tendo do outro lado um particular que com ela se relacione, ou mesmo seu patrono, que importaria em desvio funcional, mesmo havendo enquadramento nas hipóteses de amizade íntima ou inimizade capital.

Ao contrário da amizade íntima com a parte contrária, a inimizade capital do Procurador do Estado para com a parte contrária, em especial nos processos judiciais contenciosos, não caracterizaria qualquer desvio funcional, apesar da cólera que eventualmente venha a nutrir por um particular. O Procurador do Estado, como sujeito parcial na defesa do Ente Público que representa, não se submete, nas causas judiciais, às regras rígidas inseridas no art. 135, I do Código de Processo Civil, caso se revele desafeto da parte contrária. Mesmo porque, diante de um processo meramente administrativo, não se conformando com a manifestação do Procurador, aprovada internamente em última instância, ainda cabe ao particular recorrer ao Poder Judiciário em razão da expressa disposição constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV da CF).

Já no caso da amizade íntima, cremos que a situação é um pouco mais delicada. Os motivos de suspeição, ao contrário dos de impedimento, resultam de ordem subjetiva, fundadas em ódio, amor, temor e cobiça. Fatores graves, portanto, que podem retirar, não apenas do julgador, mas de qualquer pessoa que eventualmente participe do processo, o real senso de justiça que o direito visa tutelar.

Da mesma forma que um julgador em amizade íntima com a parte pode se ver despido do real senso de justiça de suas decisões, fatores que também acontecem com o Ministério Público e com serventuários, o mesmo pode ocorrer com o Procurador do Estado. Em razão dessas hipóteses serem aferidas sob o ângulo intrínseco e extrínseco, não basta apenas a consciência de agir de maneira escorreita, mas também relevar, sob o aspecto externo, a lisura de sua atuação. A amizade íntima com a parte contrária pode, até mesmo de maneira inconsciente, retirar do Procurador do Estado, total ou parcialmente, sua combatividade em defesa da coisa pública, deixando de alegar algumas questões importantes pertinentes à questão, ou ainda favorecer, de alguma forma, seu afeto pessoal, numa atividade de condescendência para a com a parte que trava relações para com o Estado, seja nos processos judiciais, seja nos administrativos.

Nessa esteira, a inimizade do Procurador do Estado, seja para com o Juiz ou para com a parte que trava relações com o Estado, não o inviabiliza de atuar nos feitos a que é designado, não podendo haver remédio tendente a afastá-lo do feito, hipótese que não ocorre no caso de amizade íntima, cujos diplomas estaduais devem prever mecanismos internos para o afastamento do Procurador, em homenagem à máxima eficiência do serviço público, conjugados com a moralidade administrativa.

A lei processual ainda prevê hipóteses de suspeição do Magistrado diante de relações obrigacionais travadas entre este, seu cônjuge ou seus parentes na linha reta ou na colateral até o terceiro grau e a parte. Analogicamente, trazendo esta situação em correlação com a atividade da advocacia pública, quando o Procurador do Estado, seu cônjuge ou parentes na linha reta ou colateral até o terceiro grau trava qualquer relação obrigacional com a parte interessada em obter qualquer benefício por parte do Estado, seja na esfera judicial ou administrativa, sua suspeição fica evidenciada, seja na forma intrínseca ou extrínseca, motivo pelo qual deve evitar atuar no feito, ou afastar-se, caso tenha inicialmente ficado vinculado. Não seria razoável ampliar ou restringir essas hipóteses, em razão da previsão legal prevista no CPC constituir desejável fator de referência em relação aos sujeitos do processo. Semelhante hipótese ocorre quanto o Procurador do Estado seja herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes, situação que, pela clareza, dispensa maiores comentários.

Situações das mais delicadas se revelam quando o Procurador do Estado recebe dádivas antes ou depois de iniciado o processo. Primeiramente tal prática se revela odiosa, podendo importar em improbidade administrativa, nos termos do art. 9º, I da Lei nº 8.429/92. Inegavelmente dádivas sem conteúdo econômico expressivo, por ato voluntário da parte, reveladores do que a doutrina penal denomina de “bagatela”, não teria, acreditamos, o condão de infirmar a suspeita do Procurador. O problema se revela quando o causídico público aceita determinada dádiva oferecida pelo interessado ou de quem lhe faça as vezes, fazendo incutir, em sua consciência, a tendência de parcialidade no trato da coisa pública. Nessa linha, é conveniente a não aceitação de qualquer benefício, independente do seu valor, econômico ou estimativo, visando extirpar qualquer existência de parcialidade em sua atuação, em benefício do superior interesse público.

O Procurador do Estado deve se cingir às manifestações nos processos em que for designado, obviamente não lhe retirando o direito de manifestação como cidadão. Entretanto, não se concebe possa o mesmo, principalmente nos processos judiciais, aconselhar a parte contrária acerca do objeto da causa, ou mesmo subministrar meios para atender à demanda, seja de forma econômica, intelectual ou moral. À guisa de exemplo, o diploma processual prevê, como litigância de má-fé, a hipótese de dedução de defesa contra texto expresso de lei. Caso o Procurador venha a aderir, em sua convicção, à pretensão da parte contrária, adesão essa não aceita pela chefia superior, sua manifestação o coloca como suspeito, devendo o feito ser redistribuído a outro colega, a não ser que, mesmo a contragosto, o profissional não se sinta constrangido na elaboração da defesa. Sua qualidade de causídico público não lhe cega os olhos, podendo perfeitamente entender pela procedência das alegações da parte, o que não dispensa a chancela da chefia superior que, entendendo o contrário, não deve forçar o Procurador a atuar no feito, mas redistribui-lo a outro profissional, em razão de sua manifestação importar em suspeição para uma defesa mais arrojada.

Em razão dessa independência de opinião que deve nortear o Procurador do Estado e caso venha a se manifestar favoravelmente aos interesses da parte contrária, parecer esse que, não sendo aprovado pela chefia superior, redunde na eventual negativa do direito pleiteado por aquela, e havendo ação judicial proposta, não é conveniente designar-se o mesmo Procurador para a promoção da defesa do ente público, em razão de sua manifestação prévia na linha favorável ao interesse da parte eivá-lo de suspeição, com potencial afronta à independência na atuação do mesmo, situação que se assemelha ao art. 135, IV, 2ª parte, do Código de Processo Civil.

Hipótese semelhante se revela quando o profissional, em atividade doutrinária ou científica, se manifesta contrariamente ao entendimento do órgão que representa. Nesse caso também sua atividade o colocaria sob suspeição, devendo abster-se de atuar nos feitos judiciais ou administrativos afetos ao órgão, até mesmo porque importaria em depor contra a própria Instituição.

Deve-se atentar que nos ordenamentos que admitem a advocacia privada por parte do Procurador do Estado (obviamente vedada contra o Estado que o remunera – art. 30, I da Lei nº 8.906/94), jamais deve o causídico atuar nos feitos em que seja interessado pessoa física ou jurídica com que trava relações. Embora não se trate de impedimento legal, coloca sob suspeição a lisura e a ética do profissional, podendo importar, inclusive, em ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 9º, VIII da Lei nº 8.429/92.

Se houver, por parte do Procurador do Estado, interesse no julgamento da causa judicial ou interesse na obtenção de parecer favorável em relação à parte ou interessado (v.g. na obtenção de uma vantagem pecuniária, ou de regras de aposentadoria), de idêntica forma deve se abster de atuar no feito, em razão não apenas dos motivos subjetivos, mas também objetivos a caracterizarem a sua suspeição.

Não é por demais lembrar que no caso de pessoa jurídica a suspeição ou até mesmo o impedimento do Procurador do Estado deve levar em conta não apenas a teoria da realidade das instituições jurídicas12 , adotada pelo direito brasileiro, mas prestar louvor, apenas e restritamente nesses casos, à teoria da equiparação (Windscheid e Brinz), fazendo com que se houver ligações entre o Procurador do Estado e a pessoa jurídica ou mesmo entre os seus integrantes (cônjuge ou parentes em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau), desejável é o seu afastamento do processo, visando o resguardo e a lisura da coisa pública, apesar dos brocardos universitas distat a singulis e quod debet universitas non debent singuli e quod debent singuli non debet universitas.

III.1.2. – A suspeição e impedimento do Procurador do Estado por motivo de foro íntimo

Talvez um problema que se colocaria em questão seria a possibilidade do Procurador do Estado, fora as hipóteses previstas na legislação que regulamenta a categoria em nível local, caso esta não a preveja, aplicar analogicamente o parágrafo único do art. 135 do Código de Processo Civil e declarar-se suspeito sem declinar o motivo, ou seja, por motivo de foro íntimo.

Embora haja opiniões divergentes no tocante à subsistência deste dispositivo até mesmo em relação aos Magistrados, em razão das disposições do art. 93, IX da CF de 1988, passemos a relatar a situação em relação aos Procuradores do Estado.

O digesto processual de 1939 assim dispunha sobre a matéria:

“Art. 119. O juiz que se declarar suspeito motivará o despacho.
§ 1º Se a suspeição fôr de natureza íntima, comunicará os motivos ao órgão disciplinar competente.
§ 2º O não cumprimento dêste dever, ou a improcedência dos motivos, que serão apreciados em segrêdo de justiça, sujeitará o juiz à pena de advertência.”

Dita norma, além de atentar contra a independência do Magistrado, eis que lhe impunha o dever de comunicação ao órgão disciplinar os motivos íntimos que o levaram à escusa, previa sanção a ser imposta àquele que não procedesse na forma da lei ou se os seus motivos não fossem acatados por aquele órgão, situação que não existe no diploma processual vigente. Devido a isso, CELSO AGRÍCOLA BARBI, considera que pode haver

“abuso por parte de juízes menos amigos do trabalho. Terão eles um cômodo expediente para se afastarem dos volumosos e complexos casos de ação de divisão ou de prestação de contas. Há também o risco de juízes de menor coragem se afastarem de causas em que receiem ter de decidir contra pessoas poderosas no meio”.

O que realmente dificulta a análise é a inexistência de uma sistematização em nível federal dessas hipóteses de suspeição e impedimento, estando a questão afeta ao âmbito interno das Procuradorias Estaduais. Entendemos, entretanto, que pode acontecer que o Procurador do Estado não queira declinar os motivos que o reputam suspeito, tal como acontece com o Juiz, podendo o mesmo, nesta linha, declarar-se suspeito por motivo íntimo, o que não ocorrerá nas situações de impedimento, eis que oriundo de fatores objetivos.

A grande questão que se coloca é se essa declaração por motivo íntimo deveria ou não ficar subordinada à chancela do órgão de classe, para sua confirmação ou rejeição13. Não conseguimos, por maior que fosse nosso esforço, comungar com tal possibilidade em razão de alguns motivos, dentre eles, a exigüidade dos prazos judiciais e, sobretudo, a imperiosidade de atendimento aos ditames constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência no serviço público. Numa hipótese ilustrativa, caso o Procurador venha a se considerar suspeito, não querendo declinar o motivo, se a questão tivesse que ser submetida ao crivo da chefia superior, esta estaria retirando do causídico toda a sua liberdade profissional, afeta, em nível federal, no Estatuto da OAB, bem como em seu Código de Ética e Disciplina. A suspeição, por se revelar em fatores subjetivos, diversos do impedimento, pode contemplar foro íntimo, em homenagem mesmo à lisura profissional do Procurador do Estado.

Inegavelmente a situação pode ensejar abusos por parte de funcionários menos afetos ao trabalho, mas a situação há de ser resolvida, casuisticamente, na forma disciplinar, não podendo constituir numa regra geral.

Assim, a declaração de suspeição pelo Procurador, por motivo íntimo ou outro motivo expressamente previsto, afasta a possibilidade de forçá-lo a atuar nos feitos, judiciais ou administrativos, em homenagem aos ditames constitucionais acima narrados, guardadas as devidas proporções em casos de abuso desse direito, consistentes em reiteradas alegações, questão a ser dirimida no âmbito disciplinar interno do órgão de classe.14

III.3 – HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO DOS PROCURADORES DE ESTADO

Em razão de serem aferidas de maneira objetiva, as hipóteses de impedimento do Procurador do Estado são mais evidentes e mais críveis de verificação em relação às hipóteses de suspeição. Resulta de alguma relação de parentesco entre o causídico público e a parte contrária ou seu patrono, ou quando, de alguma forma, tenha funcionado anteriormente no processo que agora é designado, na qualidade Juiz, órgão do Ministério Público, perito, ou tenha prestado depoimento como testemunha.

Inegavelmente quando o Procurador do Estado esteja postulando como parte em face do Ente Público, jamais pode assumir esta defesa, sendo que, diante da obviedade da situação, dispensa maiores comentários.

Quanto tenha praticado atos como mandatário da parte contrária, ou tenha oficiado como perito, ou como integrante do Ministério Público, como Juiz ou tenha prestado depoimento como testemunha essa intervenção, em princípio, veda sua atuação no processo em que tenha oficiado. Mas, em verdade, essa hipótese analógica de impedimento melhor se aplica aos Magistrados. Em relação ao Procurador do Estado, melhor se identificaria como situação de suspeição, principalmente se a atuação anterior no processo foi na linha de entendimento do Ente Público, sendo que ao Procurador é afeta a tarefa de representação do sujeito parcial, que é o Estado. Tal proibição muito bem se aplica ao Juiz, visto que a sua atuação anterior compromete, irremediavelmente, sua imparcialidade, de maneira clara e objetiva em relação a, pelo menos, uma das partes. Por isso, caso o Procurador tenha se manifestado anteriormente em processo na qualidade de perito, membro do Ministério Público, como Juiz ou como testemunha, atuação essa de forma contrária aos interesses do Estado, sua atuação no feito deve ser vedada, em homenagem à supremacia do interesse público. Caso, entretanto, sua atuação anterior tenha sido na mesma linha de entendimento da Fazenda Pública, a situação se enquadra, quando muito, em hipótese de suspeição, o que apenas num acentuado esforço, poder-se-ia admitir. Vale ressaltar que na hipótese de atuação como mandatário, essa proibição somente se aplica em relação ao processo em que tenha atuado, não lhe vedando a atuação em relação aos demais, muito embora, nos demais processos, possa se estar diante de caso de suspeição.

Inegáveis hipóteses de impedimento podem ocorrer quando houver alguma relação de parentesco entre o Procurador e a parte contrária ou seu advogado, seja nos processos judiciais ou administrativos. Nessa esteira, se postula em juízo, como parte, seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral até o terceiro grau, sua atuação no feito está terminantemente vedada, em homenagem aos princípios constitucionais acima transcritos, que visam, em última análise, à eficiência, à probidade e ao bom trato da coisa pública. O mesmo ocorre quando o patrono ex adverso for seu cônjuge ou qualquer parente, consangüíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral até o segundo grau, cujo objetivo, semelhantemente aos Magistrados, é evitar o favorecimento da parte patrocinada por advogado que trava com o agente público relações de parentesco, em desprezo para com a coisa pública.

Por fim, situação análoga à prevista no Código de Processo Civil, tem-se o impedimento do Procurador do Estado quando este seja sócio, acionista, cotista ou comanditário de pessoa jurídica que pleiteia algo ao Estado ou contra este, aplicando-se, quanto às pessoas jurídicas, o que se disse acima a respeito da suspeição.

IV – O ASPECTO PROCEDIMENTAL DA SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO DO PROCURADOR DO ESTADO

Outra questão a ser relevada é de como o Procurador do Estado seria afastado de determinado processo, administrativo ou judicial, em razão de seu enquadramento em hipóteses de suspeição ou impedimento, seja mediante previsão legal em leis estaduais, seja em razão de enquadramento na lei processual.

O regime das exceções instrumentais, visando o afastamento do Juiz do processo, obviamente não se aplica aos Procuradores de Estado, em razão da ausência de previsão legal (arts. 304 e 138 do CPC, a contrario sensu), mormente porque a competência legislativa é privativa da União (CF, art. 22, I). Sendo assim, uma parte contrária não poderia, v.g., argüir remédio análogo à exceção de suspeição em razão da sua inimizade capital com o Procurador do Estado. A questão deve ser resolvida internamente, tendo sempre em mira o interesse público.

Atuando, numa situação concreta, em que se depara com um caso de suspeição ou incompetência, é dever funcional do Procurador do Estado declarar-se suspeito ou impedido, afastando-se imediatamente do processo e devolvendo-o para nova distribuição, mormente em razão da ausência de previsão legal em nível federal de instrumento capaz de afastá-lo do caso, em respeito à ética na advocacia pública e do próprio interesse público.

Entendemos também que não há possibilidade de o Juiz, verificando especialmente os casos de impedimento do Procurador do Estado, em analogia com o art. 134 do CPC, destituí-lo do processo, por invasão nas atividades interna corporis das Procuradorias. Também não lhe seria lícito entender pela falta de representatividade da Fazenda Pública e considerar inexistentes os atos praticados por Procurador impedido, a teor do art. 37, parágrafo único do CPC, haja vista que o assunto inerente à ineficácia dos atos processuais também é afeto ao direito processual. Deve, tão somente, dar prosseguimento ao feito e comunicar o fato ao Procurador Geral para a adoção das medidas que entender cabíveis, inclusive quanto à apuração do aspecto disciplinar do Procurador, afeto exclusivamente ao órgão a que pertence.

Nessa esteira, ou seja, em razão da ausência de um instrumento processual uniforme capaz de afastar o Procurador do Estado impedido ou suspeito, bem como na impossibilidade de ingerência do Judiciário nas atividades internas das Procuradorias, o afastamento do Procurador, salvo na hipótese de previsão em leis estaduais, somente pode se dar ou por ato voluntário ou por ato de seu superior hierárquico.

No estrito âmbito das Unidades Federativas, verificando o Juiz que diante de norma estadual, o Procurador do Estado se encontra impedido de exercer suas funções, é desejável que, de ofício, suspenda o processo e comunique ao Procurador Geral as razões do impedimento, solicitando a designação de novo Procurador para a representatividade do Estado. Tal atitude não se compadece em caso de suspeição, podendo ser resolvida apenas no âmbito interno do órgão de representatividade do Estado, eis que não há qualquer causa proibitiva de atuação do causídico público.

Obviamente, constatando-se, em razão dessa suspeição ou impedimento, indícios de ausência de interesse público por parte do Procurador, poderá haver a representação aos órgãos competentes para a instauração de procedimento administrativo e/ou judicial para a apuração da falta (aplicável, diga-se de passagem, a todas as categorias funcionais, de quaisquer dos Poderes), o que não se confunde com a hipótese de ingerência em suas atividades internas. Entendemos ser dever de ofício do Procurador do Estado, tal como ocorre com os Magistrados, declinar seu impedimento ou suspeição nas hipóteses concretas que lhes são submetidas. Não há, de outra sorte, como se forçar o Procurador do Estado que declinou seu impedimento ou suspeição no âmbito interno das Procuradorias a atuar no feito, em razão da busca incessante da eficiência e da moralidade no serviço público, erigidas em ditames constitucionais. Declinado seu impedimento ou suspeição, os autos deverão ser remetidos a outro Procurador para a defesa do interesse público; caso não haja, o Procurador Geral do Estado assume a defesa, não se mostrando razoável, repita-se, forçar o Procurador ao patrocínio da causa, de natureza judicial ou administrativa.

CONCLUSÃO

A Advocacia Pública, da qual são integrantes os Procuradores de Estado, é Função Essencial à Justiça (Seção II, Capítulo IV, Título IV da Constituição Federal), entendida numa acepção mais ampla possível, que transcende a mera representatividade do causídico na defesa do Ente Público.

A Advocacia Pública, da qual são integrantes os Procuradores de Estado, é Função Essencial à Justiça (Seção II, Capítulo IV, Título IV da Constituição Federal), entendida numa acepção mais ampla possível, que transcende a mera representatividade do causídico na defesa do Ente Público.

Despiciendo salientar, por outro lado, que o exercício da advocacia é uma luta permanente: luta pela liberdade, na defesa de uma pessoa, luta para ver triunfar um direito, luta para fazer respeitar um princípio, luta para obstar um arbítrio, luta para desmascarar uma falácia, luta, por vezes, para atacar um potentado que abusa do seu poderio. Nestes combates, o advogado pode viver todos os estados passionais emergentes da alma: o entusiasmo, a indignação, a cólera, o desprezo. Sem embargo, está obrigado à moderação, e o respeito por este sentimento assegura-lhe tanto maior autoridade quanto maior calma mostrar perante a contínua atribulação em que labora (Cf. Maurice Garçon, O advogado e a moral, tr. port. de António de Sousa Madeira Pinto, Coimbra, A. Amado Ed., 1963, pág. 113).

Para atender a tais desideratos, almeja-se a criação de uma Lei Orgânica que venha a abranger toda a situação funcional dos Procuradores integrantes da Advocacia Pública, inclusive com a previsão das hipóteses de suspeição e impedimento adaptadas para a situação peculiar desses profissionais, deixando de lado as vacilações e as previsões esparsas de cada Ente Federativo, haja vista que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil não contempla, em sua plenitude, a situação desses profissionais.

Por enquanto, a questão deve ser resolvida, mutatis mutandis, à luz das hipóteses previstas para os Magistrados, embora não existam mecanismos processuais positivados objetivando o afastamento dos Procuradores suspeitos ou impedidos, sendo a questão resolvida no âmbito interno das Procuradorias.

O certo é que, suspeito ou impedido, o Procurador do Estado não deve atuar no feito, seja judicial ou administrativo, em homenagem aos princípios que regem a Administração Pública, visando a lisura e a probidade no serviço público. Deve, de ofício, se declarar suspeito ou impedido, não havendo como afastá-lo de suas funções por outras formas que não sejam os mecanismos afetos ao âmbito interno das respectivas Procuradorias.

O crescimento e a constante complexidade das relações jurídicas, aliados à busca cada vez mais presente e incansável da obediência ao ditames da Ordem Maior, fazem por exigir uma maior atenção à categoria dos integrantes da Advocacia Pública, inserindo-os de fato como integrantes dos pilares da Justiça, outorgando mecanismos que lhes confiram maior respeitabilidade, independência e, conseqüentemente, transparência no trato da coisa pública.

Notas:

1 Apesar da doutrina e jurisprudência reconhecerem que a ausência de imparcialidade do Magistrado por motivo de suspeição não faz desaparecer o pressuposto processual da isenção.

2 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, 4ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 225).

3 SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, edição universitária, Rio de Janeiro: Forense, 1989, vols. I e II, p. 431.

4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 191.

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 79.

6 BOBBIO, Norberto. Teoria Generale del Diritto, nº 9. p. 23-24.
7 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 102.
8 PEIXINHO, Manoel Messias. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 468.
9 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, etc., RT, 12ª Edição,, 1989, p. 61.

10 MORAES, Alexandre de.Direito Constitucional.10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 312.

11 GARCIA, Emerson. O Ministério Público e a Defesa do Princípio da Impessoalidade. Disponível em: . Acesso em 11 jul. 2005.

12 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 1º volume, parte geral, 31ª edição, São Paulo, Saraiva, 1993, pp. 98-100.

13 Para evitar abusos por parte dos Juízes, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, logo após a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, baixou o Provimento 13/74, determinando em seu art. 2º que: “O Juiz, ao dar-se por suspeito, fará declaração nos autos, em despacho motivado (CPC, arts. 134 e segs.), remetendo, desde logo, o feito ao seu substituto, nos termos deste Provimento”.
Dispõe, por outro lado, o art. 3º do Provimento 36/92 que verbis: “No caso de suspeição por motivo íntimo, o magistrado fará afirmação nos autos e, em ofício reservado, exporá as razões desse ato ao Conselho Superior da Magistratura. Parágrafo único. Na hipótese de o Conselho Superior da Magistratura acolher as razões da suspeição por motivo íntimo, esta Presidência designará outro juiz para substituir o suspeito”.

14 Questão interessante é acerca da definição da expressão “abuso de direito”. Existem duas grandes correntes doutrinárias acerca do tema, quais sejam, a corrente negativista (Leon Duguit, Mário Rotondi e Marcel Planiol) e a corrente afirmativista (René Savatier, Georges Ripert e Louis Josserrand), prevalecendo esta última, subdividida em seis subteorias. Embora não haja grande distanciamento entre as teorias que procuram justificar o abuso de direito, em razão de que o legítimo interesse apenas desaparece em razão do caráter imoral da intenção do titular do direito subjetivo, ou ainda da deturpação dos fins éticos, sociais e econômicos do direito, a doutrina mais razoável do abuso do direito é aquela correspondente à concepção do ato abusivo como aquele onde o sujeito excede os limites ao exercício do direito, sendo tais limites determinados pelos fundamentos axiológicos-normativos.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Teoria Generale del Diritto, nº 9.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª Ed., São Paulo: Atlas, 2005.

GARCIA, Emerson. O Ministério Público e a Defesa do Princípio da Impessoalidade. Disponível em:. Acesso em 11 jul. 2005.

GARÇON, Maurice. O advogado e a moral, tr. port. de António de Sousa Madeira Pinto, Coimbra, A. Amado Ed., 1963.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, etc., RT, 12ª Edição, 1989.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 1º volume, parte geral, 31ª edição, São Paulo, Saraiva, 1993.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, São Paulo: Atlas, 2005.

MORAES, Alexandre de.Direito Constitucional.10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro, 23ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005.

PEIXINHO, Manoel Messias. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, edição universitária, Rio de Janeiro: Forense, 1989, vols. I e II.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, 4ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.

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